Por Leandro Bortolassi
Um novo mantra no mercado de comunicação vem se cristalizando desde o ano passado quanto ao uso de dados. É comum ver empresas anunciando que investirão em soluções de Inteligência Artificial para melhorar e transformar sua comunicação. Sem dúvida, novas tecnologias, quando bem aplicadas, abrem um mundo de possibilidades infinitas para qualquer negócio, independentemente do setor em que atua.
Quanto à Inteligência Artificial. Bem, é um termo que poderia ser usado com pouco mais de cuidado para evitar sua banalização. A forma como o mercado vem repetindo a torto e a direito essa expressão mágica cria uma impressão falsa de que se trata de uma entidade capaz de fazer absolutamente qualquer coisa, onipresente, onisciente e onipotente. Praticamente, um semideus.
Lamento profundamente desapontar os entusiastas, mas Inteligência Artificial é um tipo de recurso que muitas vezes sua aplicação nem mesmo é possível pela simples escassez de informações. Em uma comparação hipotética, seria algo como colocar uma Lamborghini para andar numa estrada de terra totalmente esburacada. Ela não vai andar porque não tem campo apropriado para tal, apesar de sua potência!
Existem situações que requerem aplicação de técnicas robustas para manipular grandes volumes de informações e transformá-las em dados para que depois possam ser analisadas. São funções que o nosso bom e velho Excel não conseguiria realizar, mesmo com muito esforço e boa vontade. Essas técnicas requerem conhecimentos específicos de modelagem, programação e, claro, estatística. É um processo que tem uma carga muito maior de complexidade e obviamente não custa o mesmo que uma solução convencional.
Mais caro. Porém, é possível realizar em uma fração de tempo um trabalho que levaria meses para ser concluído por métodos convencionais e uma equipe dedicada. O que sairia mais caro neste caso?
Analisar dados não é simplesmente abrir uma planilha de 100 mil linhas numa aplicação como o Power BI, Tableau, R Studio ou no Python e gerar gráficos bonitos e animados. Na grande maioria das vezes, os dados não estão estruturados ou sequer existem.
Importante ter em mente que análise de dados em comunicação, como em qualquer outro mercado, vai muito além de reportar resultados. Essa é apenas uma das possíveis aplicações. Está muito mais fundamentada em gerar subsídios e embasamento científico para testar hipóteses, validar processos, mapear cenários e orientar a tomada de decisão. Falei grego? Calma!
Na área de comunicação, especificamente, um dos principais desafios está na mineração de informações: onde buscar, o que buscar, como analisar e o que fazer com esses dados? É a partir desta consciência que entra a Inteligência Artificial!
Enfim, são muitas perguntas mas que podem ser perfeitamente aplicáveis em nossa rotina diária. Aliás, fazemos isso a todo momento. Por exemplo: que tipo de informações podemos extrair da nossa comunicação diária nas redes sociais, nas conversas por aplicativos de mensagens, nas reações que temos ao acessar o noticiário? Muitas. Infinitas. Depende da resposta que procuramos. Associe uma linha do tempo a essa gama de informações e verá que é possível descrever o humor de uma pessoa pela forma como ela se comunica quando estimulada por determinados tipos de conteúdo.
Bingo! Isso se chama padrão. Comunicação é feita com base em inúmeros padrões que podem ser acessados para atingir um objetivo, que é transmitir uma mensagem e, talvez, influenciar uma reação. Agora, imagine se, em vez de uma pessoa, estivermos falando do mercado de capitais e a oscilação do valor de ações usando como parâmetro a cotação diária e a exposição dessa companhia no noticiário. É possível identificar o comportamento e até mesmo prever determinados comportamentos no mercado.
Um exemplo recente aconteceu há poucas semanas quando um grande número de entendidos de plataformas de social media e comportamento digital passou a divagar sobre o poder da influência atribuindo uma queda no valor de mercado da Coca Cola a uma atitude do jogador português Cristiano Ronaldo, que pediu a substituição de duas garrafas do refrigerante por água durante uma coletiva de imprensa da Eurocopa, evento patrocinado pela marca. Em minutos foram despejadas toneladas de teses na timeline deste Linked In. Porém, poucos se deram o mínimo trabalho de acompanhar o desempenho da companhia na bolsa para ver que era uma situação dentro da normalidade e que o vultoso “prejuízo” foi prontamente recuperado durante o expediente.
![](https://eightanalytics.com.br/wp-content/uploads/2023/07/Cristiano-Ronaldo.jpg)
Em meia dúzia de cliques é possível concluir que Cristiano Ronaldo não derrubou as ações da Coca Cola e os gurus da nobre ciência da influência digital não entendem absolutamente nada do mercado de capitais, quiçá de influência.
Decisões importantes não necessariamente precisam passar pelo crivo do processamento de Big Data para terem relevância em um negócio. É possível usar até mesmo aspectos subjetivos para referendar um processo de decisão em uma empresa. Antes de prosseguir, é importante ressaltar que aspectos subjetivos não são a mesma coisa que subjetividade.
O caso dos influenciadores digitais
Recentemente, realizamos um projeto para uma empresa especializada em divulgação e ações de envio (seeding) de produtos de consumo de diversas marcas para influenciadores digitais, ou produtores de conteúdo para plataformas de mídias sociais. De alimentos a perfumes, a atuação dessa empresa é na construção de relacionamento de marcas com produtores de conteúdo em plataformas digitais.
Diante disso, fomos acionados para analisar um relatório apresentado a um dos clientes da empresa ao final de uma campanha de divulgação de uma linha de produtos alimentícios sazonais. Ao verificar o reporte, identificamos que o critério de avaliação de resultados era baseado em dois tipos de qualificação:
- BOM: quando o influenciador comentava que recebeu o produto da empresa;
- MUITO BOM: quando o influenciador registrava nos stories do Instagram o produto sendo consumido;
Porém, a marca de alimentos solicitou um ranking com os melhores resultados para que pudesse decidir sobre uma ação de publicidade em que irá investir parte da verba de marketing em um desses canais.
Com base nesse cenário, mais do que processar toneladas de dados, nossa atuação tem um caráter consultivo. O objetivo era desenvolver um escopo de trabalho baseado em duas ações:
- Estebelecimento de um critério de qualificação de influenciadores
- Criação de um sistema de recomendação de influenciadores
Critério de qualificação de influenciadores
O primeiro desafio dessa etapa do projeto era estabelecer um consenso entre o time de gestores da empresa sobre quais parâmetros deveriam ser considerados essenciais em um modelo a ser utilizado para selecionar os perfis de influenciadores para determinados projetos.
Em uma reunião com o grupo, identificou-se um conjunto de quatro parâmetros informados pelos próprios influenciadores em seus media kits:
- Audiência (base de seguidores);
- Segmentação da audiência (qualificação psicográfica, geográfica, gênero e idade);
- Comentários (relacionados à taxa de engajamento com seus públicos);
- Curtidas (métrica de vaidade);
- Compartilhamentos (endosso da audiência sobre o conteúdo);
Com base nessas informações, os gestores foram orientados a atribuir um peso entre 0 e 10 a cada um dos critérios para que fossem incorporados na metodologia. Para isso, foi utilizado o método AHP (Analytic Hierachy Process), no qual se transforma aspectos subjetivos – como opinião – em dados estatísticos. A matriz abaixo mostra – depois de aplicada a metodologia – a definição do peso de cada um dos parâmetros identificados para validar os critérios de seleção de influenciadores para um projeto. A decisão tem uma taxa de consistência de 6,3%, cujo valor máximo não pode ultrapassar os 10%. É, portanto, consistente, sem erros ou excesso de subjetividade.
![](https://eightanalytics.com.br/wp-content/uploads/2023/07/1626234982895.png)
Sistema de recomendação de influenciadores
Concluída a primeira etapa para seleção, o desafio passa a ser a identificação de quais influenciadores mais contribuíram para a exposição da marca de alimentos nos ambientes digitais.
A proposta da Eight foi ampliar os critérios de avaliação para quatro itens:
- O influenciador mostrou o produto?
- O influenciador experimentou o produto?
- O influenciador explicou os diferenciais do produto?
- O influenciador elogiou o produto?
Com base nesse contexto, o peso é atribuído de acordo com a intensidade com que cada um dos influenciadores se comportou com base nos critérios acima. Foram selecionados cinco influenciadores para compor o ranking. Diante desse resultado, a área de marketing da empresa de alimentos decidiria em qual canal iria investir a verba de conteúdo patrocinado:
![](https://eightanalytics.com.br/wp-content/uploads/2023/07/1626235902859-768x432.jpg)
Para analisar os resultados foi utilizada a plataforma de análise estatística 123AHP, na qual os analistas responsáveis pelo primeiro relatório qualificaram as interações dos influenciadores com base nos critérios selecionados.
De acordo com a análise, o Influenciador A foi o que apresentou o melhor resultado (33%) de exposição com base nos critérios adotados para a análise. Em segundo lugar, está o Influenciador E (22%), enquanto os demais aparecem na sequência com pequenas diferenças. Trata-se de uma decisão consistente, com CR de 3,4%. Já, o critério com maior peso de decisão foi dado pelo Elogio ao Produto (45%) seguido por Explicação dos diferenciais (22%), Experimentar o produto (19%), e Exibição do produto (14%).
No entanto, quanto ao critério que determina o direcionamento da verba de marketing, a análise apontou que a melhor relação de custo-benefício é o Influenciador E, segundo colocado no ranking geral, mas com uma taxa de 1,41.
![](https://eightanalytics.com.br/wp-content/uploads/2023/07/AHP.png)
Embora o valor cobrado pelo Influenciador E seja o menor da lista de cinco produtores de conteúdo, a lógica do modelo desenvolvido prevê o equilíbrio entre o resultado de exposição para a marca e o valor a ser investido. Desta forma, o segundo colocado no ranking é justamente o Influenciador A, que gerou o maior resultado de exposição da marca, porém requer o maior investimento da empresa em seu canal para uma ação publicitária.
Mais do que o simples reporte de resultados, a incorporação de diferentes técnicas de análise permitem responder a qualquer pergunta de negócio e embasar uma decisão. Imagine tomar decisões em um projeto de mapeamento de riscos e gestão de crise baseado apenas no feeling do profissional de comunicação. Não que a experiência não seja importante. Pelo contrário! Ela é essencial para identificação de critérios.
Agora, imagine encarar um board executivo e bancar uma ideia baseada apenas em feeling sem um bom conjunto de evidências. Pode-se dizer que é uma situação semelhante ao piloto que voa na neblina sem ajuda de instrumentos porque acredita nos seus instintos, já que nunca derrubara uma aeronave. Hoje, conhecendo os riscos e sabendo que existem instrumentos que podem contribuir para um voo seguro, quem voaria?