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O que você sabe sobre Data PR?

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De repente, o mundo foi dormir e acordou em meio a uma pandemia. Em pouquíssimos dias, vimos um vírus se alastrar de uma cidade na região central da China e ganhar o mundo. Isolamento social, máscaras de proteção, álcool gel, lockdown e uma guerra de narrativas sem precedentes. Estava decretada a era histórica que agora conhecemos por “Novo Normal”.

Sem dúvida, é um período de sobrevivência e reinvenção de praticamente tudo. O efeito devastador de uma pandemia na economia é inquestionável. No entanto, a visão apocalíptica que se tinha em março do ano passado é um pouco diferente da que se tem hoje, ao menos sob o ponto de vista econômico. Muitas empresas quebraram ou quebrarão. Porém, muitas outras surgiram ou se reinventaram com modelos de negócios extremamente eficientes. Sem medo de evocar a terceira Lei de Newton em um contexto econômico, mas o fenômeno que se observa é que cada ação gera uma reação de igual intensidade no sentido oposto.

Sobrevive quem tem capacidade de reagir. Muitos negócios que ruíram já eram vulneráveis antes da crise sanitária. A pandemia apenas acelerou o processo de degradação.    

Não gosto de qualquer analogia militar, mas é exemplo elucidativo quando imaginamos um cenário de guerra. O que diferencia um soldado de elite de um do outro da infantaria é sua capacidade de analisar rapidamente o campo, prever reações e identificar oportunidades. Essa habilidade no mundo dos negócios ganhou o nome de resiliência e requer muita disciplina e planejamento. 

Mas, o que isso tem a ver com Data PR, ou o uso de dados na área de relações públicas? Absolutamente tudo.

O uso de dados ainda está muito relacionado à composição de métricas de resultados de comunicação, ou a comprovação metodológica do cumprimento das cláusulas contratuais. Por mais que sejam eficientes para se analisar padrões, o fato de essas métricas serem apresentadas após um período em que uma determinada ação foi realizada, torna esses indicadores antigos. É como olhar para trás. É importante para entender a relação entre o que foi planejado e o que foi executado, mas não é a ordem do dia de uma empresa.

Mais do que a parametrização de informações, o conceito de Data PR deve estar constituído na predição. Se antes, a experiência e criatividade de um profissional de relações públicas eram elementos que permitiam a elaboração de um planejamento eficiente de comunicação, hoje essas habilidades já não são mais diferenciais. A demanda do mercado já não é mais pela eficiência, mas pela eficácia e efetividade.

Experiência e criatividade continuam sendo elementos fundamentais para a comunicação. Porém, a repetição de modus operandi em situações teoricamente parecidas é o que não funciona mais. Antes, quando comunicação era uma ferramenta de mão única, era muito mais simples a aplicação de uma fórmula para resolução de problemas. Hoje, porém, mais do que processos bem constituídos, é preciso entender profundamente todas as variáveis de um problema e a influência que essas variáveis exercem entre si. Na área de Ciência de Dados, essa técnica é chamada de predição.

É uma lógica amplamente aplicada no mercado, seja no marketing, no mercado financeiro, na logística, na área da saúde. Para se ter ideia, no último ano um sistema de aparelho dentário constituído por um conjunto de placas acrílicas tem transformado os tratamentos ortodônticos, tornando seus resultados muito mais rápidos e totalmente controláveis. Por causa de placas de acrílico? Óbvio que não! O sucesso desse tratamento está no conjunto de algoritmos, que analisa a estrutura bucal por meio de uma série de técnicas de tomografia 3D, e projeta o molde que irá estimular a movimentação da arcada dentária sem o uso de fios de aço cirúrgico e todo o incômodo pelo qual paciente se submete durante meses ou até anos de tratamento. É uma técnica de predição baseada em estímulo e reação.   

Por que seria diferente na comunicação? É perfeitamente plausível identificar e prever a reação dos interlocutores com base no estímulo de comunicação gerado. A resposta para isso está na identificação de padrões em dados não estruturados que, resumidamente, são aqueles que não foram tabulados em uma planilha. É claro que isso requer um processo de análise aprofundada.

Vamos sair da abstração teórica e começar a entrar no campo prático.

Quando se fala em dados não estruturados, podemos trazer como exemplos textos, livros, filmes, discursos, posts em redes sociais, reportagens, artigos, músicas, conversas. Sim. É possível identificar padrões em qualquer forma de comunicação. E o mais importante: é possível compará-las.

No cinema, na música, na literatura, existem os conceitos estéticos, que são padrões semelhantes identificados em obras distintas, ou as personalizações. Por exemplo, as características da narrativa pessimista, depressiva e a subjetividade do romantismo brasileiro. Ou então, a contestação, as letras curtas e a falta de técnica musical intencional do punk rock dos anos 70. Ou o campo harmônico e as métricas simples que compõem grande parte do repertório das duplas sertanejas atuais. Por fim, a estética cinematográfica do Western Spaghetti, da Blaxploitation e dos filmes chineses de artes marciais da década de 70 que inspiraram o modelo criativo de Quentin Tarantino. São padrões e, portanto, recorrentes. 

Porém, quando esses dados não estruturados são analisados com técnicas mais aprofundadas, o nível de informações extraídas é muito maior do que uma mera categorização. Um exemplo disso é um estudo realizado pela Eight Data Intelligence em que comparou discursos de diferentes autoridades no início da pandemia do novo coronavírus. A hipótese levantada era a de que, apesar das diferentes narrativas, o presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão, o, então, ministro da saúde Henrique Mandetta e o governador de São Paulo João Dória mantinham um padrão de estímulos de comunicação.

Para analisar as falas dessas autoridades, foi utilizado um sistema de algoritmos que identifica uma estrutura de comunicação corporativa baseada em oito aspectos de negócios (Ética e Valores, Cidadania e Sustentabilidade, Cultura Organizacional, Governança e Compliance, Desempenho Financeiro, Produtos e Serviços, e Inovação). Entre outros destaques, o estudo mostra que Bolsonaro utiliza termos militares para enfatizar sua visão hierárquica e combativa, dispensando argumentos técnicos. Já, Dória se colocava como membro de um coletivo técnico, com estímulos de que suas posições se baseavam evidências científicas. A conclusão desse estudo é que, apesar de posições antagônicas, Dória e Bolsonaro mantinham uma similaridade de 93% na estrutura de narrativa com base nos oito aspectos. É uma estrutura muito semelhante, o que pode ser observado, por exemplo, como uma variável para se entender o engajamento a determinadas mensagens por determinados perfis de interlocutores.

Os dados não estruturados são conjuntos extremamente ricos de elementos que podem ser essenciais em uma tomada de decisão ou na construção de uma narrativa. Um outro estudo realizado com base na mesma metodologia identificou um índice de similaridade de 87% entre três discursos considerados inspiradores por parte da população: o sermão da montanha, retratado no livro bíblico Novo Testamento; a mensagem de Steve Jobs aos formandos da Universidade Stanford, em 2005; e o, por fim, o discurso de posse de Barack Obama, em janeiro de 2009.

Para entender se o simbolismo de um discurso político está baseado em uma estrutura padrão, a mensagem de Obama foi comparada ao discurso de Hitler quando convocou os alemães para a Segunda Guerra, e ao discurso de posse do presidente Bolsonaro. São mensagens distintas, com posições diferentes, mas uma estrutura de narrativa com um nível de similaridade de 92%.

Sim. É possível ser preditivo em comunicação. Esse, aliás, é o conceito básico quando se fala em sistemas de recomendação. É possível identificar o melhor espaço para veicular uma mensagem já pensando no potencial de engajamento dos interlocutores a esse estímulo. É possível construir uma mensagem já pensando na reação dos interlocutores. No entanto, a inteligência artificial, os algoritmos, são elementos técnicos para se viabilizar uma ação proposta. O papel dos agentes envolvidos no processo já está mudando, e rapidamente. Se antes, o pré-requisito para um bom comunicador era boa redação, criatividade, senso crítico, hoje, porém, esses elementos são extremamente básicos para serem considerados habilidades profissionais. Provavelmente, os comunicadores de um futuro próximo não serão os jornalistas, relações públicas ou publicitários como conhecemos. Provavelmente, essas habilidades serão incorporadas às áreas de engenharia. A comunicação já deixou de ser a ciência da subjetividade e requer rigor técnico para ser bem executada.

No entanto, o princípio pétreo da comunicação com propósito continua sendo a ética. Isso deve prevalecer imutável. 

 

Por Leandro Bortolassi, fundador e CEO da Eight